FERREIRA, Albano,
Arouca Vista de Dentro: Albergaria das Cabras,
in Defesa de Arouca n.º
36, de 14-01-1956. pp. 1, 2 e 3.
«Não foi,
soceguem, qualquer acontecimento ou facto anormal que mereceu ser posta hoje em
relevância a mais arrumada, esquecida e pacata freguesia deste concelho –
Albergaria das Cabras. Daqui a pouco diremos o motivo que nos levou a chamarmos
à «Defesa» a primeira das freguesias na lista do concelho.
Albergaria
das Cabras é talvez a mais pobre e a mais curiosa das nossas freguesias.
Tipicamente serrana, enclausurada entre penedias, bucôlica, viveu e vive sem
problemas. É muito limitada a actividade dos seus habitantes: o granjeio da
terra e a pastorícia a paz virgiliana de que falam os poetas.
Típicos,
inconfundíveis quando descem ao vale e sobem a encosta da Freita carregando,
atestados, os loucos corporais, destacam-se neles duas estirpes, dois elementos
etnográficos curiosos.
Sendo
Albergaria um agregado familiar imposto pela orografia e pelo isolamento,
condicionados os naturais a casamentos – dois elementos autoctones os separam
contudo: o loiro, de olhos azuis, cabelos encaracolados, altos, erectos, sêcos,
do tipo nórdico, e o moreno, com predominância nas mulheres, miúdos, cabelos
pretos, retintos, escorregadios, lisos, olhos negros, brilhantes, do tipo
arâbico.
Dois
elementos os unem contudo: o patronímico TAVARES e a espêrteza, a inteligência,
a desconfiança.
O
patronímico TAVARES, resto de personalidade notável perdida no tempo, que tem
vindo através das idades como um seixo rolado no leito de um comprido rio, é
tão imperioso que para distinguir os homens se tem de se socorrer do apelido! O
Mizarela, o Ruço, o da Venda, o do Meio, o Casanova (o Casanova!) etc. E a
desconfiança é um produto típico do isolamento... e do fisco. Nenhum nenhum
mortal, que eu saiba, os viu a dançar, a cantar, a tocar qualquer instrumento
músico, e sendo uma região de analfabetos todos aprenderam a ler e escrever
quando ali funcionaram umas escolas móveis; não acodem a festas, nem mesmos as
mais notáveis.
Que
me lembre nunca vi nenhum pelo S. Bartolomeu, pela Senhora da Lágem, as mais
atrativas do concelho. Também não aparecem, em primeira mão, a qualquer
forasteiro, que lhe devasse a povoação: Não vê viv´alma quem fôr a Albergaria,
nem o rapazio, sempre pronto a ver «os tios» em qualquer terra habitável. Todos
se metem em casa, silenciosos, quando lobrigam, a convergir sobre a povoação,
qualquer mortal estranho ao meio.
Sendo
assim como são, não têm problemas no seu agregado, nem aspirações. São um
produto da terra e a terra é para eles a única ambição. Sendo pobres na generalidade,
não são contudo medicantes.
Têm
ali os etnógrafos vastos elementos de interesse e de estudo. Aqui se sugere a
visitarem Albergaria e a estudarem os seus naturais.
Feito
isto à maneira de introdução, surge agora a razão destas mal notadas linhas –
porque não havemos de reduzir e limitar só ao termo de Albergaria o topónimo
Albergaria das Cabras? - das Cabras, para quê? Não estará mais certo, mais
conforme a razão da fundação da freguesia que o seu nome seja só o de
Albergaria?
Não
é novidade para ninguém que a povoação teve a sua origem na fundação pelas
freiras do Mosteiro, nos recuados tempos, de uma Albergaria na serra para
recolha e pouzada dos viandantes e almocreves, e talvez liteiras com donas e
bispos, que do Porto tivessem de tomar a direcção de Vizeu. Era o caminho mais
próximo, mais comodo em face da vida romana de que vemos ainda restos junto de
Gestoso. A empresa não se tornaria difícil no verão ou ocasião de tempo limpo e
firme.
Mas
o mesmo não aconteceria no Inverno e arriscadíssima, diríamos impraticável,
seria em períodos de nevoeiro; e quem já experimentou ser inesperadamente
apanhado pelo nevoeiro na Freita, sem pontos de referência para orientação, ou
nunca de lá sai, por muito que ande, vai ter a algum barranco ou regressa ao
ponto de partida, julgando que progrediu na direcção almejada. E naquele
deserto pode berrar o que quizer que ninguém, a não ser por milagre, lhe acode.
Foi uma necessidade e uma obra de caridade estabelecer naquela serra, ao tempo
deserta, uma Albergaria. Desta nasceu a actual freguesia e povoações
limítrofes. A Freita seria o Adamastor de granito para os viandantes.
Povoada
a serra, Albergaria ficou sendo o topónimo da inicial pouzada. Fácil e lógico
foi o acrescento «das Cabras», por que, animais dos meios pobres e escassos de
alimentação, seriam o único a fornecer de carne os moradores da terra. Os
currais de então estão ali ainda bem patentes e tirante uma ou outra casa com
geito de habitável, o resto, onde vive gente, se confunde com os currais daquele
animal daninho e rústico.
Os
tempos são agora outros para Albergaria: Já tem fácil acesso pelas estradas dos
beneméritos serviços da Administração Florestal, caminho aberto para a telha,
para o vidro, para o baton, paras as meias de Nylon, para o progresso, enfim.
Já os seus jóvens naturais frequentam o Liceu.
E
vejam agora o embaraço destes civilizados perante a pergunta duma camarada:
Donde é o menino? – de Albergaria das, das Cabras! – ??, de quê? das Cabras?
– Mas isso
é um curral!
Poupemos
aos seus naturais e até à harmonia gráfica dos topónimos do concelho, o nome de
Cabras, que nada tem de simpático, e de fácil remédio. Por que não há-de ficar
Albergaria apenas ou Albergaria da Serra, para os que gostam das coisas mais
arredondadas? Bem sei que há por esse país fóra topónimos patuscos: – Escalos
de Cima, Alguidares de Baixo, Currais, eu sei lá! Aqui é outra gente.
Também
na nossa freguesia de Espiunca houve uma povoação que mudou de nome por que o
primitivo não era dos mais sonoros e escorreitos. Foi Vila Viçosa.
Nada
custou a mudança. Façam as entidades oficiais o mesmo a Albergaria das Cabras.
É uma justiça. Seria até uma obra de caridade.»
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